18/08/2008

Saber esperar


Era uma menina, igualzinha às outras meninas da sua idade. Com uma diferença: era uma papoila rubra, que se transformara numa linda princesa cheia de sonhos.

A menina todos os dias colocava a sua coroa de princesinha e sentava-se, durante algum tempo, num canto do seu quarto, alimentando o espírito de devaneios, ao mesmo tempo que esperava pacientemente pela materialização de uma quimera. Por debaixo daquela coroa pequenina, brilhava uma farta cabeleira negra, sob a qual habitava um cérebro idealista e rebelde. No castiçal tremeluziam as suas estrelinhas do êxito, emanando aromas enviados pelas ninfas do lago azul.

E sentia-se muito bem assim, respirando aquela paz que lhe vinha engrinaldar as aspirações. Tinha desejos e projectos ambiciosos. E esperava. Esperava com a certeza de os ter já alcançado. Esperava-os com o direito de quem trabalha para a sua concretização.

Entre os seus anseios contava-se o de que um príncipe viesse complementar a sua ventura. Um príncipe, nem que fosse encantado. E esperava. Esperava apesar de, até agora, apenas lhe terem surgido sapos. A sua rebeldia não via neles encantamento algum. Via apenas sapos. Sapos daqueles que ela muito bem sabia que nadavam com as rãs na poçada do canavial. Bem os ouvia lá coaxar todos à noite.

No entanto nada lhe fazia perder a esperança de alcançar todos os seus objectivos. Trabalhava para isso. E esperava. Esperava pacientemente. Ela tinha a certeza de que a paciência é a sabedoria do saber esperar.

Esta é a história que escrevi para responder ao desafio da Cátia, sobre a pintura da minha publicação - Partilha de uma muito querida (4).

30/07/2008

Partilha de uma muito querida (4)


(Acrílico sobre tela Da Autora da Capa de Memória Alada)

A Cátia lembrou-se de colocar um desafio aos seus visitantes para escreverem uma história sobre este lindíssimo (sou suspeita) quadro da minha muito querida.

A estas duas meninas lindas, a autora do quadro e a promotora do desafio, muitos beijinhos!

Adenda:
A minha história está neste mesmo blogue em:  Saber Esperar.
As outras histórias podem ser lidas no blogue da Cátia:   AQUI ;  Aqui tambémAinda mais uma aqui.

Adendas:
-- Publicada a 1.ª parte das histórias também aqui na prateleira desta C(l)ave, seguindo-se todas as outras.

14/07/2008

Se eu acreditar...


(Picasso - Le Visage de la Paix VI)

Se eu acreditar...
Talvez que as minhas asas
de papel
Que alguém um dia
não teve pejo de cortar
Possam ainda
ser coladas
e voar
Se eu acreditar...

18/06/2008

Sem fato de banho

Aviso:
Este texto é uma brincadeira e vem na sequência de Isotta Barbarino, do António.

O senhor Barbarino sempre fora um homem muito senhor de si. Aliás, essa fora a característica que despertara o interesse a Isotta e que a levara a conquistá-lo. Mas, o que é certo, é que sempre se sentira inibida junto dele.
Passados quase trinta anos de casamento, e a inibição, em vez de diminuir, parecia aumentar. Tanto que, durante toda essa longa vida em comum, nunca as suas nudezas foram devassadas um pelo outro, nem sequer, nunca nenhum dos dois se atrevera a acender a luz durante os melhores momentos de intimidade conjugal, apesar de, em tudo o resto nada se ocultarem.
Ora, ao perder o fato de banho no imenso oceano, Isotta encontrara o momento oportuno de lhe fazer perder a pose. Se nunca antes, nem na penumbra, fora capaz de estar nua frente a frente com ele, achava agora até uma certa graça de o ter de fazer, à luz do dia, com outras pessoas por perto.
Mas ele mostrou-se impávido e sereno, e ela resignou-se à sua sorte, deixando transformar o seu mais belo sorriso num riso amarelo.

Só que o senhor Barbarino não tinha ficado assim tão indiferente e estudava uma maneira de a fazer pagar por aquele acto tresloucado.
O facto de a sua amantíssima esposa se apresentar sem pudor diante de toda uma plateia de desconhecidos, nunca o tendo ousado só para ele, fez com que até ao pegar no jornal o fizesse com este de pernas para o ar, tal era o estado em que ficara a sua cabeça!
– Veste-te… que vamos para casa! – Acabou por lhe dizer, não conseguindo esconder algum nervosismo. “Em casa vais pagá-las todas”, pensou.
E se bem o pensou, melhor o fez. Chegados a casa, foi a vez dele deixar cair a pose, a compostura... a roupa, e se lhe mostrar em toda a sua nudez, sem lhe dar, a ela, tempo de se prevenir.
Aí, ela não aguentou… e desmaiou horrorizada… era mulher!

25/04/2008

Na busca de um farol

No céu nem uma única nuvem perturba a paz deste sol resplandecente. 

Percorro o imenso areal, ao mesmo tempo que tomo consciência do paradoxo que me envolve: a calma do azul celeste e a tempestade que me invade a alma, qual oceano enfurecido. 

Esta fusão, visual e psicológica, de céu e mar, provoca em mim uma tal ânsia de infinito, que me deixo cair amortecida, também pelo sol avassalador, até que o meu mar interior se vai lentamente transformando num erodido grão de areia. 

Resta-me comungar do espaço físico que me envolve. 

Deixo-me ficar caída na praia, ouvindo o ruído das ondas, até sentir todo o distanciamento necessário a me encontrar. 
 
Aos poucos, vou procurando vislumbrar o Farol que me guiará! 
  
(Texto enviado ao 1.º Jogo das 12 Palavras)

09/04/2008

Abre o coração ao mundo

Se tens o coração
de ti tão encharcado
retendo dentro repetidamente o olhar,
sem te dares oportunidade
a que outras belezas
se ensejem a manifestar,
qualquer dia negarás
que possam existir
peixinhos dourados
e crianças a sorrir.
Então o teu mundo
será apenas tu,
o teu coração
e um pretenso culto
que não podia florir.