Um desafio em Julho de 2008, sobre uma pintura publicada aqui neste mural da minha C(l)ave - Partilha de uma muito querida (4), um acrílico sobre tela da minha Autora da Capa de Memória Alada -, resultou num conjunto de histórias que só me lembrei passados quase 12 anos de recolher para memória, e que são dignas de serem lidas por quem se quiser dar a esse trabalho.
Segue-se a parte VII e última:A Margarida era uma jovem adolescente, aborrecente [1] como muitas outras jovens da sua idade. Pensava essencialmente em três coisas na vida: na moda; em saídas à noite até às tantas da noite; e em rapazes, como seria de esperar. Apesar do seu estado de rebeldia e de supérfluo permanente, até tinha a noção de que um dia as coisas iriam mudar, e que faria tudo para trocar aqueles rapazes giros com quem já saíra, por um belo príncipe encantado. Enquanto isso não acontecia, e ela sabia que o mais provável era não acontecer, porque príncipes encantados só em estórias de encantar, em que envolvendo sempre um sapo ou um cavalo branco, e na verdade nenhum dos dois a agradavam, tinha era que viver a vida, e aproveitar enquanto era jovem e, principalmente, gira!!
De tão ocupada que andava com os três assuntos tão importantes, e que digamos a verdade, ocupavam-lhe o dia-a-dia, não sobrava tempo para outras actividades, como ir a escola nem tão pouco estudar... Que coisa mais normal e sem graça para se fazer nas tardes de inverno enquanto chovia e só apetecia estar no calor de um centro comercial, ou nas tardes de primavera, que só apetecia andar por aí com os amigos e com os... mais que amigos!
Os pais da Margarida, ambos com uma carreira para construir e pela qual lutar, não tinham muito tempo para se preocupar com essas andanças. Se ela queria comprar roupa que comprasse, era porque precisava e não podia fazer má figura; se queria sair, fazia-lhe bem, também precisava de distrair, e estava na idade para isso! Uma coisa não admitiam: é que a filha não fosse um modelo em tudo, desde roupas, a amigos, namorados e em notas! Sim, porque filha de dois profissionais como eles, não podia ser menos do que uma futura excelente profissional!
Mas a verdade é que parecia que o mundo estava mesmo feito para os contrariar, e no final de um ano, semelhante a tantos outros, lá chegaram as más notícias: a Margarida tinha chumbado! Como era possível?! O mundo parou, não haviam negócios, nem reuniões que fossem mais importantes que a fachada que era necessária manter... Após varias discussões, após culpas atiradas como bola de ping-pong entre pai e mãe, e entre pais e filha, era hora de tomar uma decisão radical e definitiva para aquela situação: colégio interno! Estava decidido e não havia volta a dar...
Passou-se o Verão e no final havia já um destino traçado e uma viagem marcada. Quando chegou tudo parecia cinzento demais para ser real. Uma coisa ela podia ter a certeza: seria a mais chique de todos eles e o lugar de rainha no baile de primavera seria seu! Isso, se houvesse baile, claro... As semanas foram passando e estava a ser tudo muito pior do que ela podia sequer imaginar: os horários, as regras, as aulas sequíssimas, os horários para estudar (como é que podia haver tanta coisa para estudar?!), e o pior que tudo, não havia a mínima distracção do seu agrado, nada que não envolvesse jogos físicos, ou aborrecidos jogos de estratégia; rezar, ou ler na biblioteca, e por aí adiante. Mas como era possível que alguém vivesse contente assim?!
Num dos dias que decidiu ceder à biblioteca encontrou algo que não esperava, um grupo de jovens que, de alguma forma, se destacava de todos os outros que permaneciam naquele espaço... Parecia até que escondiam alguma coisa! Mas ali, o que poderia ser? Era um grupo constituído por uma rapariga e três rapazes, e o seu aspecto era também diferente dos outros "cromos" que por ali andavam, tinham um ar mais... saudável! Aquela ideia fascinou-a, era a primeira vez que via algo que lhe prendia a atenção e que até lembrava outros tempos. Estes mistérios eram o que mais se assemelhava a algo proibido por ali. Tinha que arranjar uma forma de se aproximar, de descobrir... e se possível, integrar-se! Não sabia o que se passava, mas fosse o que fosse, ela estava determinada.
Durante uma semana as visitas à biblioteca eram regulares, e por coincidência (ou talvez não) à mesma hora que o tal grupo estava também por lá. Seguia com o olhar cada elemento daquele grupo e os seus gestos. Aparentemente só estudavam, mas investigavam livros que ela nunca tinha ouvido falar, e o olhar... aqueles olhares cúmplices não eram normais, não eram simples olhares de quem estuda historia ou matemática... Havia algo ali, isso ela tinha cada vez mais a certeza.
Um dia há hora de almoço (num colégio, tudo se passa à hora de almoço, não é?), enquanto a Margarida andava supostamente à procura de um lugar vazio numa das mesas daquele refeitório imenso e poderoso, veio "acidentalmente" parar à mesa do tal grupo. Pediu para se sentar. Pararam os quatro a olhar para ela, mas depois, e mudando o assunto, acenaram que sim. Durante todo o tempo da refeição, não houve mais do que a troca de uma ou duas palavras, de resto era quase como falar... do tempo.
Margarida sabia que tinha que ter cuidado nas investidas, e que tinha que ter paciência, aprendeu isso com muitas das conquistas "do tal" rapaz (mas que ia mudando todos os meses). Durante quase uma semana era assim, todas as refeições vinha para a mesa deles, e já nem era preciso pedir licença e eles já começavam a não disfarçar o “tal” assunto. Um dia, e sem ela estar a espera deixaram-lhe um recado no tabuleiro do refeitório: "Às 17 horas na biblioteca, na mesa do canto." Sentiu uma excitação a percorrer-lhe as veias, afinal estava certa, afinal havia mesmo alguma coisa!
À hora marcada lá estava ela, como combinado. Passaram 15 minutos e ninguém aparecia. Será que estavam a gozar com ela?! Decidiu esperar. Passou uma hora, e continuava sozinha. Como é que ela foi enganada assim tão facilmente? Apetecia-lhe insultar-se, como tinha sido ingénua! Saiu da biblioteca a mil à hora apetecendo-lhe levar tudo e todos à frente, que nem o Katrina.
“Espantoso!”, ouviu a trás de si, “Uma hora… nada mau!”. Virou-se com ar furioso, e lá viu os quatro a gozarem da sua cara. Aproximou-se deles em fúria… “Calma, era só para testar a tua paciência, e saber até que ponto é que querias integrar-te no grupo”, disse a única rapariga. Anda connosco… Margarida ficou surpresa, mas achou que até fazia algum sentido… Seguiu-os em silêncio. Percorreram alguns corredores por onde ela nunca tinha andado, e depois de tanto virar à direita e à esquerda, sentia-se completamente perdida. Finalmente pararam à frente de uma porta, abriram-na e entraram sem acender uma única luz. Fecharam a porta, e por momentos teve algum medo, aquele breu de um sítio que não conhecia não a deixava confortável. De repente acenderam três pequenas velas num castiçal, tipo século XVIII. Tentou ambientar-se àquela luz e tentar analisar o espaço… Era uma sala, com as dimensões de um escritório, com estantes até ao tecto em duas paredes, e com as outras duas livres de qualquer objecto. No meio, uma simples mesa com cinco cadeiras em volta (Cinco?!).
Levaram o castiçal para o meio da mesa, e um dos rapazes, o que parecia que tinha mais influência embora fosse o mais pequeno, levantou-se e foi buscar um livro. Colocou-o sobre a mesa, mas ainda tão distante dela que nem lhe conseguia reconhecer a cor. “Já ouviste falar no oculto? Em magia? Em feitiçaria? Aqui é o assunto… Se quiseres saber um pouco mais, ficas, senão sais e esqueces que alguma vez estiveste neste sítio.”
Os seus olhos estavam ainda a tentar ambientar-se ao espaço, e tentar perceber o que se estava a falar ali… Mas não deu asas a dúvidas e acenou logo com a cabeça, dando sinal que queria continuar. Começaram então a explicar-lhe que investigam velhos livros que tinham trazido da biblioteca sobre feitiçaria, e que têm aprendido alguns feitiços desde então. A Margarida não acreditava no que acabava de ouvir. Aprender feitiços? A partir de livros antigos e poeirentos?! Nada como ver para crer, pensou ela… No seu íntimo achava que os outros tinham era andado a ler, durante demasiadas horas, os livros de um tal Harry Potter que, das estórias, só conhecia de ouvir falar… Havia também essa mania entre os colegas da antiga escola, mas ela nunca tinha “perdido tempo com isso”… Será que agora estava no meio de uma dessas estórias? Pagava para ver no que ia dar…
Percebendo o que ela pensava, o Duarte, o tal rapaz que deveria ser o chefe do grupo, fez um pequeno gesto, seguidos de umas palavras, e o livro pousado sobre a mesa abriu-se sem que ele lhe tocasse! Ela não queria acreditar no que via… Será que tinha sido mesmo assim?!, perguntava-se em silêncio. Apercebendo-se das dúvidas, ele virou-se para uma estante, fez outro gesto, outros dizeres e… lá veio um livro a voar da prateleira! Ok… para ela isso chegava! Depois de rendida a ideia, teve que fazer um juramento que não iria contar nada do que visse ou do que se passasse ali, e que nunca iria usar para maus fins nada do que aprendesse ali … Posto isto, fecharam os livros, apagaram as velas e saíram em silêncio.
Naquela noite ela não conseguiu dormir, a tentar perceber o que se tinha passado e tomar consciência do que iria aprender nos próximos tempo. Será que também ia conseguir fazer coisas como o Duarte, o tal rapaz?
Foram-se passando várias semanas, as aulas iam correndo, sequíssimas como sempre. Margarida estava a adaptar-se aos poucos ao sistema, aos colegas, aos novos professores … Menos a francês! A professora de francês era uma senhora tão velha que ela desconfiava que já tinha mais que 100 anos, e até conseguia ser mais insuportável que a antiga directora da antiga escola que todos os dias lhe dava lições de moral… ou pior, mais chata que mil directoras da antiga escola, coisa que ela antes pensava impossível. Agora eram os trabalhos diários com mais de 50 páginas, as leituras de textos que tinham tamanho de autênticos romances, a pronúncia (que raio de pronúncia!), aqueles R’s ditos como quem diz: o rato roeu a rolha da garrafa de rum do rei da Rússia, e os verbos (quantos eram? Mil e trezentos? No mínimo!) [2].
Depois das aulas e de todas as actividades, a Margarida e os seus mais recentes quatro amigos, reuniam-se na tal sala, para a qual ela aprendeu o caminho, e onde estudavam vários truques, vários dizeres… Quase todos os dias, depois do estudo na sala, passavam pela biblioteca para tentarem encontrar respostas às dúvidas que iam surgindo nas várias secções… A Margarida estava claramente em desvantagem por estar a começar muito depois dos outros, eram os termos, os gestos, os significados... Sabia que se queria aprender, então tinha que estudar mais…
Estudou tanto que acabou por aprender mais depressa, e chegou até a descobrir alguns truques diferentes e a ensiná-los aos outros. Com o tempo, estava a ser até cada vez mais ousada no que estudava, e ia até tentando inventar pequenas coisas, acrescentar alguns pormenores… Como tudo na vida, é preciso prática, e essa ela estava a ganhá-la de dia para dia.
Ao fim de semana, alguns alunos iam para casa (a maioria!), mas a Margarida não, com quem passaria os fins-de-semana se os pais não largavam o trabalho? Ficava pela escola e ia investigando um pouco mais, e aperfeiçoando os seus truques (sim, porque já podia dizer que tinha os seus truques!).
Num desses fins-de-semana, ao dirigir-se para a pequena sala, cruzou-se com… podia ser o diabo, mas não, era mesmo “só” a professora de francês. Esta inquiriu-a sobre o que andava a fazer por ali, e se não devia estar a estudar um pouco mais de francês para melhorar a vergonha que era a sua leitura e a sua pronúncia…! Ela, respondeu algo à toa, querendo apenas livrar-se da mulher… “Ai se pudesse…”, pensava ela, não querendo sequer terminar o pensamento. Seguiu caminho entre corredores e portas. Entrou na sala já conhecida, acendeu as velas do castiçal, e sentou-se à mesa com o livro que tinha ali deixado no dia anterior…
De repente ouviu um barulho atrás de si e olhou rapidamente nessa direcção, era a bruxa, quer dizer, a professora de francês! Incrédula com o que via naquela sala, a velha professora, começou a tentar perceber o que se passava naquele espaço, mas sem deixar espaço para respostas, ou melhor, para desculpas, começou logo a partir para a discussão… Margarida estava com uma vontade imensa de lhe dizer umas quantas também, mas tentava controlar-se ao máximo. No fim, a professora, disse que ia fazer queixa ao director e que ia pedir para a suspender para ver se se deixava de coisas, de rebeldias. Nesse momento Margarida já não se importava muito com nada. Vendo que não estava a conseguir o que queria, a professora, continuava a sua ladainha sem parar… Aborrecida (e não de aborrecente agora) com tanta conversa, só queria fazer com que a velha senhora se calasse, mas não lhe parecia possível que isso acontecesse nos próximos 20 anos (no mínimo!). Fez um gesto, uns dizeres e transformou a professora num sapo! [3] “Será que assim já se cala?” pensava para com ela, com ar aborrecido… Sabia que não o devia ter feito, mas olhar para aquele sapo indefeso e pensar que era a pessoa que a andava a fazer a vida negra, tornou-se uma satisfação maior…
Voltando à consciência, e pensando no juramento que tinha feito no primeiro dia, pegou no sapo, levou-o até ao jardim e dizendo outras palavras fez com que o sapo voltasse à sua forma humana, mas garantindo que não se iria lembrar de nada do que ali se tinha passado. Mas… na verdade aproveitou e fez um pequeno feitiço de “simpatia”, só para que aquela mulher, com tanta idade mas com tão pouca sabedoria, aprendia que os alunos também mereciam um pouco de respeito, e que um sorriso por vezes não faz mal a ninguém.
De tão ocupada que andava com os três assuntos tão importantes, e que digamos a verdade, ocupavam-lhe o dia-a-dia, não sobrava tempo para outras actividades, como ir a escola nem tão pouco estudar... Que coisa mais normal e sem graça para se fazer nas tardes de inverno enquanto chovia e só apetecia estar no calor de um centro comercial, ou nas tardes de primavera, que só apetecia andar por aí com os amigos e com os... mais que amigos!
Os pais da Margarida, ambos com uma carreira para construir e pela qual lutar, não tinham muito tempo para se preocupar com essas andanças. Se ela queria comprar roupa que comprasse, era porque precisava e não podia fazer má figura; se queria sair, fazia-lhe bem, também precisava de distrair, e estava na idade para isso! Uma coisa não admitiam: é que a filha não fosse um modelo em tudo, desde roupas, a amigos, namorados e em notas! Sim, porque filha de dois profissionais como eles, não podia ser menos do que uma futura excelente profissional!
Mas a verdade é que parecia que o mundo estava mesmo feito para os contrariar, e no final de um ano, semelhante a tantos outros, lá chegaram as más notícias: a Margarida tinha chumbado! Como era possível?! O mundo parou, não haviam negócios, nem reuniões que fossem mais importantes que a fachada que era necessária manter... Após varias discussões, após culpas atiradas como bola de ping-pong entre pai e mãe, e entre pais e filha, era hora de tomar uma decisão radical e definitiva para aquela situação: colégio interno! Estava decidido e não havia volta a dar...
Passou-se o Verão e no final havia já um destino traçado e uma viagem marcada. Quando chegou tudo parecia cinzento demais para ser real. Uma coisa ela podia ter a certeza: seria a mais chique de todos eles e o lugar de rainha no baile de primavera seria seu! Isso, se houvesse baile, claro... As semanas foram passando e estava a ser tudo muito pior do que ela podia sequer imaginar: os horários, as regras, as aulas sequíssimas, os horários para estudar (como é que podia haver tanta coisa para estudar?!), e o pior que tudo, não havia a mínima distracção do seu agrado, nada que não envolvesse jogos físicos, ou aborrecidos jogos de estratégia; rezar, ou ler na biblioteca, e por aí adiante. Mas como era possível que alguém vivesse contente assim?!
Num dos dias que decidiu ceder à biblioteca encontrou algo que não esperava, um grupo de jovens que, de alguma forma, se destacava de todos os outros que permaneciam naquele espaço... Parecia até que escondiam alguma coisa! Mas ali, o que poderia ser? Era um grupo constituído por uma rapariga e três rapazes, e o seu aspecto era também diferente dos outros "cromos" que por ali andavam, tinham um ar mais... saudável! Aquela ideia fascinou-a, era a primeira vez que via algo que lhe prendia a atenção e que até lembrava outros tempos. Estes mistérios eram o que mais se assemelhava a algo proibido por ali. Tinha que arranjar uma forma de se aproximar, de descobrir... e se possível, integrar-se! Não sabia o que se passava, mas fosse o que fosse, ela estava determinada.
Durante uma semana as visitas à biblioteca eram regulares, e por coincidência (ou talvez não) à mesma hora que o tal grupo estava também por lá. Seguia com o olhar cada elemento daquele grupo e os seus gestos. Aparentemente só estudavam, mas investigavam livros que ela nunca tinha ouvido falar, e o olhar... aqueles olhares cúmplices não eram normais, não eram simples olhares de quem estuda historia ou matemática... Havia algo ali, isso ela tinha cada vez mais a certeza.
Um dia há hora de almoço (num colégio, tudo se passa à hora de almoço, não é?), enquanto a Margarida andava supostamente à procura de um lugar vazio numa das mesas daquele refeitório imenso e poderoso, veio "acidentalmente" parar à mesa do tal grupo. Pediu para se sentar. Pararam os quatro a olhar para ela, mas depois, e mudando o assunto, acenaram que sim. Durante todo o tempo da refeição, não houve mais do que a troca de uma ou duas palavras, de resto era quase como falar... do tempo.
Margarida sabia que tinha que ter cuidado nas investidas, e que tinha que ter paciência, aprendeu isso com muitas das conquistas "do tal" rapaz (mas que ia mudando todos os meses). Durante quase uma semana era assim, todas as refeições vinha para a mesa deles, e já nem era preciso pedir licença e eles já começavam a não disfarçar o “tal” assunto. Um dia, e sem ela estar a espera deixaram-lhe um recado no tabuleiro do refeitório: "Às 17 horas na biblioteca, na mesa do canto." Sentiu uma excitação a percorrer-lhe as veias, afinal estava certa, afinal havia mesmo alguma coisa!
À hora marcada lá estava ela, como combinado. Passaram 15 minutos e ninguém aparecia. Será que estavam a gozar com ela?! Decidiu esperar. Passou uma hora, e continuava sozinha. Como é que ela foi enganada assim tão facilmente? Apetecia-lhe insultar-se, como tinha sido ingénua! Saiu da biblioteca a mil à hora apetecendo-lhe levar tudo e todos à frente, que nem o Katrina.
“Espantoso!”, ouviu a trás de si, “Uma hora… nada mau!”. Virou-se com ar furioso, e lá viu os quatro a gozarem da sua cara. Aproximou-se deles em fúria… “Calma, era só para testar a tua paciência, e saber até que ponto é que querias integrar-te no grupo”, disse a única rapariga. Anda connosco… Margarida ficou surpresa, mas achou que até fazia algum sentido… Seguiu-os em silêncio. Percorreram alguns corredores por onde ela nunca tinha andado, e depois de tanto virar à direita e à esquerda, sentia-se completamente perdida. Finalmente pararam à frente de uma porta, abriram-na e entraram sem acender uma única luz. Fecharam a porta, e por momentos teve algum medo, aquele breu de um sítio que não conhecia não a deixava confortável. De repente acenderam três pequenas velas num castiçal, tipo século XVIII. Tentou ambientar-se àquela luz e tentar analisar o espaço… Era uma sala, com as dimensões de um escritório, com estantes até ao tecto em duas paredes, e com as outras duas livres de qualquer objecto. No meio, uma simples mesa com cinco cadeiras em volta (Cinco?!).
Levaram o castiçal para o meio da mesa, e um dos rapazes, o que parecia que tinha mais influência embora fosse o mais pequeno, levantou-se e foi buscar um livro. Colocou-o sobre a mesa, mas ainda tão distante dela que nem lhe conseguia reconhecer a cor. “Já ouviste falar no oculto? Em magia? Em feitiçaria? Aqui é o assunto… Se quiseres saber um pouco mais, ficas, senão sais e esqueces que alguma vez estiveste neste sítio.”
Os seus olhos estavam ainda a tentar ambientar-se ao espaço, e tentar perceber o que se estava a falar ali… Mas não deu asas a dúvidas e acenou logo com a cabeça, dando sinal que queria continuar. Começaram então a explicar-lhe que investigam velhos livros que tinham trazido da biblioteca sobre feitiçaria, e que têm aprendido alguns feitiços desde então. A Margarida não acreditava no que acabava de ouvir. Aprender feitiços? A partir de livros antigos e poeirentos?! Nada como ver para crer, pensou ela… No seu íntimo achava que os outros tinham era andado a ler, durante demasiadas horas, os livros de um tal Harry Potter que, das estórias, só conhecia de ouvir falar… Havia também essa mania entre os colegas da antiga escola, mas ela nunca tinha “perdido tempo com isso”… Será que agora estava no meio de uma dessas estórias? Pagava para ver no que ia dar…
Percebendo o que ela pensava, o Duarte, o tal rapaz que deveria ser o chefe do grupo, fez um pequeno gesto, seguidos de umas palavras, e o livro pousado sobre a mesa abriu-se sem que ele lhe tocasse! Ela não queria acreditar no que via… Será que tinha sido mesmo assim?!, perguntava-se em silêncio. Apercebendo-se das dúvidas, ele virou-se para uma estante, fez outro gesto, outros dizeres e… lá veio um livro a voar da prateleira! Ok… para ela isso chegava! Depois de rendida a ideia, teve que fazer um juramento que não iria contar nada do que visse ou do que se passasse ali, e que nunca iria usar para maus fins nada do que aprendesse ali … Posto isto, fecharam os livros, apagaram as velas e saíram em silêncio.
Naquela noite ela não conseguiu dormir, a tentar perceber o que se tinha passado e tomar consciência do que iria aprender nos próximos tempo. Será que também ia conseguir fazer coisas como o Duarte, o tal rapaz?
Foram-se passando várias semanas, as aulas iam correndo, sequíssimas como sempre. Margarida estava a adaptar-se aos poucos ao sistema, aos colegas, aos novos professores … Menos a francês! A professora de francês era uma senhora tão velha que ela desconfiava que já tinha mais que 100 anos, e até conseguia ser mais insuportável que a antiga directora da antiga escola que todos os dias lhe dava lições de moral… ou pior, mais chata que mil directoras da antiga escola, coisa que ela antes pensava impossível. Agora eram os trabalhos diários com mais de 50 páginas, as leituras de textos que tinham tamanho de autênticos romances, a pronúncia (que raio de pronúncia!), aqueles R’s ditos como quem diz: o rato roeu a rolha da garrafa de rum do rei da Rússia, e os verbos (quantos eram? Mil e trezentos? No mínimo!) [2].
Depois das aulas e de todas as actividades, a Margarida e os seus mais recentes quatro amigos, reuniam-se na tal sala, para a qual ela aprendeu o caminho, e onde estudavam vários truques, vários dizeres… Quase todos os dias, depois do estudo na sala, passavam pela biblioteca para tentarem encontrar respostas às dúvidas que iam surgindo nas várias secções… A Margarida estava claramente em desvantagem por estar a começar muito depois dos outros, eram os termos, os gestos, os significados... Sabia que se queria aprender, então tinha que estudar mais…
Estudou tanto que acabou por aprender mais depressa, e chegou até a descobrir alguns truques diferentes e a ensiná-los aos outros. Com o tempo, estava a ser até cada vez mais ousada no que estudava, e ia até tentando inventar pequenas coisas, acrescentar alguns pormenores… Como tudo na vida, é preciso prática, e essa ela estava a ganhá-la de dia para dia.
Ao fim de semana, alguns alunos iam para casa (a maioria!), mas a Margarida não, com quem passaria os fins-de-semana se os pais não largavam o trabalho? Ficava pela escola e ia investigando um pouco mais, e aperfeiçoando os seus truques (sim, porque já podia dizer que tinha os seus truques!).
Num desses fins-de-semana, ao dirigir-se para a pequena sala, cruzou-se com… podia ser o diabo, mas não, era mesmo “só” a professora de francês. Esta inquiriu-a sobre o que andava a fazer por ali, e se não devia estar a estudar um pouco mais de francês para melhorar a vergonha que era a sua leitura e a sua pronúncia…! Ela, respondeu algo à toa, querendo apenas livrar-se da mulher… “Ai se pudesse…”, pensava ela, não querendo sequer terminar o pensamento. Seguiu caminho entre corredores e portas. Entrou na sala já conhecida, acendeu as velas do castiçal, e sentou-se à mesa com o livro que tinha ali deixado no dia anterior…
De repente ouviu um barulho atrás de si e olhou rapidamente nessa direcção, era a bruxa, quer dizer, a professora de francês! Incrédula com o que via naquela sala, a velha professora, começou a tentar perceber o que se passava naquele espaço, mas sem deixar espaço para respostas, ou melhor, para desculpas, começou logo a partir para a discussão… Margarida estava com uma vontade imensa de lhe dizer umas quantas também, mas tentava controlar-se ao máximo. No fim, a professora, disse que ia fazer queixa ao director e que ia pedir para a suspender para ver se se deixava de coisas, de rebeldias. Nesse momento Margarida já não se importava muito com nada. Vendo que não estava a conseguir o que queria, a professora, continuava a sua ladainha sem parar… Aborrecida (e não de aborrecente agora) com tanta conversa, só queria fazer com que a velha senhora se calasse, mas não lhe parecia possível que isso acontecesse nos próximos 20 anos (no mínimo!). Fez um gesto, uns dizeres e transformou a professora num sapo! [3] “Será que assim já se cala?” pensava para com ela, com ar aborrecido… Sabia que não o devia ter feito, mas olhar para aquele sapo indefeso e pensar que era a pessoa que a andava a fazer a vida negra, tornou-se uma satisfação maior…
Voltando à consciência, e pensando no juramento que tinha feito no primeiro dia, pegou no sapo, levou-o até ao jardim e dizendo outras palavras fez com que o sapo voltasse à sua forma humana, mas garantindo que não se iria lembrar de nada do que ali se tinha passado. Mas… na verdade aproveitou e fez um pequeno feitiço de “simpatia”, só para que aquela mulher, com tanta idade mas com tão pouca sabedoria, aprendia que os alunos também mereciam um pouco de respeito, e que um sorriso por vezes não faz mal a ninguém.
Nota da Autora:
[1] – aborrecente que, como explicado noutra estória, é um estado da nossa vida, pela qual todos passamos em fase de crescimento e em que nos tornamos aborrecentes...
[2] - Espero que as professoras de francês não me venham processar depois disto, mas eu, o Francês e as professoras de francês não nos damos muito bem...
[3] - Não tentem fazer isto em casa, ou melhor, na escola...
Uma estória (18)
Por Lininha
"E mais um dia. Mais um dia que não anda nem para traz nem para frente. Tudo igual: a mesma luz do sol ofuscante, a mesma forma de andar e mesma forma de respirar.
E eu entro, fecho a porta. Como mais nada me apetece fazer, refugio-me…
Dirigindo-me à uma outra porta interior livro-me de tudo que tenho nas costas, nas mãos e nos ouvidos, dou repouso ao meu mp3, que também só tem oportunidade para isso quando eu tenho possibilidade de me isolar num silêncio completo.
Entro então no quarto, que já não é meu, não é de ninguém se não o do meu sapinho…é o meu esconderijo, o meu descanso, do mundo e dos meus pensamentos.
Sempre na mesma posição e na mesma companhia do meu animal de estimação e do semi-escuro lugar, deixo-me inspirar e aliviar os meus olhos de todo o pesadelo que passam lá fora.
É o momento em que não tendo musica nos ouvidos posso reflectir, pensar e/ou imaginar uma vida que nunca foi nem seria a minha nem de ninguém, ou posso simplesmente pensar em nada de específico, porque os pensamentos surgem incontroladamente.
A vida é esquisita e mais esquisita se torna quando penso nela…mas penso...e quando penso no meu passado lembro-me do meu príncipe. Este é o lugar em que dou asas aos meus pensamentos e a minha fraca imaginação. Eu sempre me imaginei uma princesa, não é por infantilidade, mas por dar mais graça aos meus pensamentos. Gosto de contos de fadas, no entanto, sempre me emocionei mais com histórias que não acabam propriamente com ‘e viveram felizes para sempre’.
Nem tudo tem que acabar bem e/ou sempre da mesma forma. E eu já tive um príncipe, tive no passado, no presente já não tenho...mas isso não me incomoda, até porque a minha história não acabou nem eu tento adivinhar o fim dela. Sou, como me imagino, uma princesa sem príncipe. Estou sozinha, mas nunca me considero como tal...tenho sempre o sorriso e a companhia do meu sapinho que se não fosse ele não precisaria sequer acender o meu velho castiçal, porque ele nunca se deu bem com o escuro e a electricidade aqui já há muito que deixou de passar... Um sítio abandonado, mas que se torna tão acolhedor para mim...
Voltando as minhas lembranças: sou portanto uma princesa que outrora viveu apaixonada e já se sentiu correspondida. A minha história até podia ser escrita como um conto de fadas vulgar, mas como eu não gosto de coisas vulgares, a minha história tomou um rumo diferente.. Continuo a ser princesa, o meu príncipe é que deixou de ser meu. Mudou. Não fui eu, mas sim ele, e eu não mudo de príncipes como quem muda de meias. Deixei simplesmente de o ter. Custou. Outrora ele era o meu único pensamento. Já passou. A pessoa que eu amei continua a viver mas o meu príncipe morreu.
Agora nada mais resta se não recordações...
O meu lugar favorito onde o tempo não passa e eu vivo descansada, esse é o meu mundo e a música é o meu segundo mundo, o mundo que é quando eu ponho os meus pés fora deste...
Evito o olhar do mundo comum porque me cega os meus olhos...é o sol, mas também são os actos humanos que por mim são incompreendidos.
A minha história não acabou porque o meu mundo é eterno..."
E eu entro, fecho a porta. Como mais nada me apetece fazer, refugio-me…
Dirigindo-me à uma outra porta interior livro-me de tudo que tenho nas costas, nas mãos e nos ouvidos, dou repouso ao meu mp3, que também só tem oportunidade para isso quando eu tenho possibilidade de me isolar num silêncio completo.
Entro então no quarto, que já não é meu, não é de ninguém se não o do meu sapinho…é o meu esconderijo, o meu descanso, do mundo e dos meus pensamentos.
Sempre na mesma posição e na mesma companhia do meu animal de estimação e do semi-escuro lugar, deixo-me inspirar e aliviar os meus olhos de todo o pesadelo que passam lá fora.
É o momento em que não tendo musica nos ouvidos posso reflectir, pensar e/ou imaginar uma vida que nunca foi nem seria a minha nem de ninguém, ou posso simplesmente pensar em nada de específico, porque os pensamentos surgem incontroladamente.
A vida é esquisita e mais esquisita se torna quando penso nela…mas penso...e quando penso no meu passado lembro-me do meu príncipe. Este é o lugar em que dou asas aos meus pensamentos e a minha fraca imaginação. Eu sempre me imaginei uma princesa, não é por infantilidade, mas por dar mais graça aos meus pensamentos. Gosto de contos de fadas, no entanto, sempre me emocionei mais com histórias que não acabam propriamente com ‘e viveram felizes para sempre’.
Nem tudo tem que acabar bem e/ou sempre da mesma forma. E eu já tive um príncipe, tive no passado, no presente já não tenho...mas isso não me incomoda, até porque a minha história não acabou nem eu tento adivinhar o fim dela. Sou, como me imagino, uma princesa sem príncipe. Estou sozinha, mas nunca me considero como tal...tenho sempre o sorriso e a companhia do meu sapinho que se não fosse ele não precisaria sequer acender o meu velho castiçal, porque ele nunca se deu bem com o escuro e a electricidade aqui já há muito que deixou de passar... Um sítio abandonado, mas que se torna tão acolhedor para mim...
Voltando as minhas lembranças: sou portanto uma princesa que outrora viveu apaixonada e já se sentiu correspondida. A minha história até podia ser escrita como um conto de fadas vulgar, mas como eu não gosto de coisas vulgares, a minha história tomou um rumo diferente.. Continuo a ser princesa, o meu príncipe é que deixou de ser meu. Mudou. Não fui eu, mas sim ele, e eu não mudo de príncipes como quem muda de meias. Deixei simplesmente de o ter. Custou. Outrora ele era o meu único pensamento. Já passou. A pessoa que eu amei continua a viver mas o meu príncipe morreu.
Agora nada mais resta se não recordações...
O meu lugar favorito onde o tempo não passa e eu vivo descansada, esse é o meu mundo e a música é o meu segundo mundo, o mundo que é quando eu ponho os meus pés fora deste...
Evito o olhar do mundo comum porque me cega os meus olhos...é o sol, mas também são os actos humanos que por mim são incompreendidos.
A minha história não acabou porque o meu mundo é eterno..."
publicada aqui.
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Fim