31/07/2025

2Guardando na prateleira histórias dignas de registo (II)

 Um desafio em Julho de 2008, sobre uma pintura publicada aqui neste mural da minha C(l)ave - Partilha de uma muito querida (4), um acrílico sobre tela da minha Autora da Capa de Memória Alada -, resultou num conjunto de histórias que só me lembrei agora (passados quase 12 anos) de recolher para memória, e que são dignas de serem lidas por quem se quiser dar a esse trabalho. 

Segue-se  a  2ª parte:

Por Belisa do Estrela no Céu

Mas o que hei-de dizer
Olhando para ti meu amigo
Mas o que hei-de fazer
Para poder falar contigo

Vou imaginar que tu és
O meu príncipe encantado
Vou procurar de lés a lés
E também por todo o lado

Quero encontrar o meu amor
E ter alguém só para mim
Meu coração é um tambor
Pois sinto-o bater assim

Neste canto à luz da vela
Estou falando contigo
Será a noite mais bela
Tenho-te a ti como Amigo!



Por Su da Teia de Ariana

- Juro que não falo mais contigo!
-Não entendo...isto antigamente, não era bem assim. Nós é que corríamos atrás do sonho e das princesas perfeitas, do beijo libertador, e tentávamos assumir uma outra personalidade qualquer!! - disse o sapo, encolhendo os ombros, se realmente os tivesse.
- Não me interessa essa conversa de psicologia invertida. Já te disse que só vou continuar a falar contigo se me deixares dar-te um beijo! Até lá...bem que podes procurar outra pessoa que saiba conversas contigo!
- Sabes bem que isso é impossível. Hoje em dia tudo o que foge ao normal é olhado de lado, assim com uma certa indiferença...como se até nem existisse. Ou se tivesse passado. Os da tua espécie têm medo do pseudo-anormal! Na realidade, eu até poderia ser a tua consciência materializada, como um certo insecto que uma outra história atrás. Só não tenho é chapéu, asas e bengala!
- Na realidade, eu posso mesmo deixar de falar contigo...e fazer de conta que não te vejo. É muito fácil. - a menina continuava encolhida no seu canto, de braços cruzados, recusando-se a olhar para o sapo que tinha ao colo.
- Eu não posso ser o teu príncipe encantado. Isso eram só histórias...sabes lá o que é que acontecia quando elas terminavam após aquelas palavras: E Viveram Felizes Para Sempre!"...a rotina, a casa, os filhos...olha, a Cinderela acabou por se viciar em comprimidos para dormir porque o seu príncipe ressonava deamsiado alto e não a deixava dormir!! As coisas não são bem como eram contadas. Afinal, vives num mundo de fadas, ou quê?!
- Não vivo, mas gostaria. Gostaria de acreditar que as histórias têm sim finais felizes e que por detrás de cada um há sempre aquela alma perfeita que apenas precisa de umas arestas limadas...mas tens razão...não posso forçar o que não é real...
- Isso sim...estás a ver? Eu tenho valor pelo que sou...um amigo teu que fala contigo, para além deste aspecto. Não sou mais nada do que isto. Outros tempos foram...
- Desculpa ter insistido tanto. Preciso sempre d eter algo para me agarrar. Olha, vou buscar-te uma folhinha fresca de alface e já venho!

A menina levantou-se e fez uma festa amigável no dorso do seu amigo verdusco. Enquanto fecha a porta, o sapo transforma-se num belo príncipe:

- Bolas, do que me livrei!! Passei séculos tão sossegadinho como sapo quando veio a outra e deu-me um beijo para me chatear durante toda a vida. Agora que voltei a esta paz...não quero outra coisa! Tenham mas é cuidado com os beijos!!



Uma Estória (6)

Por zeroz do Apontamentes

Ana levantou-se com uma estranha impressão na perna. Coxeava e tinha um leve ardor. Não se lembrava da noite anterior nem de parte do seu passado. Como de costume foi para colégio. As freiras fizeram um comentário sobre a sua postura na aula: Longinqua, alienada, de mente afastada, quase de corpo ausente. Mais um dia terminou e voltou a casa, jantou no orfanato, e à noite saiu para o clube. As noites negras e que tanto adorava eram a sua única razão de existência, tudo o resto eram apêndices. Os encontros com Jaime, seu amante e mentor, foi o quem a integrou na seita. Os rituais fascinavam-na e cada vez mais dependia deles para entrar em transe e escapar por momentos da sua vida modesta e mesquinha. Chegou a casa às tantas, continuava a coxear, deitou-se com Jaime e adormeceu esgotada mas deleitada.

Quando acorda tem uma espécie de gelatina sobre a boca e os olhos, quase não os consegue abrir. No banho tenta retirar o visco que a cobre. No joelho uma força estranha, uma dormência, uma energia bizarra a cobre, um caldo antigo e primordial sobre a rótula. No médico: "um caso raro"; "é pra ser fotografada"; "não vamos lancetar a coisa"; "Esperemos a evolução!". É medicada com drogas especialmente para doentes crónicos e casos de maleitas hiperactivas. Volta para casa a flutuar. No dia seguinte estava imóvel e vegetal sobre a cama. Um sorriso nos lábios disformes que se decompunham, os olhos gelatinosos desfaziam-se, por ciam dum joelho um girino desenvolvia-se sobre a epiderme. Por dentro do corpo a espinal medula ligava-se à perna esquerda, a respiração não era feita pela traqueia, mas sim por orificios junto à coxa. os lábios colam-se a face implode aos poucos, o cérebro deixa de funcionar. O girino desenvolve-se agarrado ao corpo. Utiliza-o para se deslocar. Numa ultima tentativa os médicos acham o fenómeno bizarro mas esperam mais desenvolvimentos, e através de cirurgia plástica reconstituiem-lhe a cara. Apesar disso os electro-encefalogramas acusam morte cerebral, as ligações sinapticas cortadas, a ligação motora interrompida. Quem controla o corpo como uma marioneta é Jack, O Sapo. É assim que se chama, e chegou para ocupar o seu lugar na carteira de Ana.

Torna-se o melhor aluno, já ninguém estranha o sapo no corpo, apenas sentem que Jack se devia livrar daquela carcaça. Mas Jack sente-se bem, acaba o colégio com excelentes notas e forma-se em direito. Jaime mantém uma relação com Jack, assumem-na perante todos e abrem um escritório de Actividades Juridicas no centro da cidade. São felizes finalmente.


----------

30/07/2025

1Guardando na prateleira histórias dignas de registo (I)

 Um desafio em Julho de 2008, sobre uma pintura publicada aqui neste mural da minha C(l)ave - Partilha de uma muito querida (4),

um acrílico sobre tela da minha Autora da Capa de Memória Alada -
resultou num conjunto de histórias que só me lembrei passados quase 12 anos de recolher para memória, e que são dignas de serem lidas por quem se quiser dar a esse trabalho. 

Seguem-se (1ª parte):

Uma estória (1)

Esta é a minha estória - Por Ni do Branco Escuro  

Esta é a minha estória, neste canto que protege a minha vida… esconde segredos e alimenta sonhos. Acredito na felicidade como dom alcançável e é por isso que tenho estas velas… cuja luz me há-de manter sempre desperta para os subtis sinais da vida.
Ah… e tenho um sapo. Tem os meus olhos pela ternura e esperança com que o olho e assim chegará longe! E este é o meu retrato. Vêem? Sou linda…


Uma Estória (2)

Era uma vez… Por Patrícia do More Than Words

Esta é a história de uma menina órfã de dezoito anos, a quem a vida escolheu como sendo um membro de uma das famílias mais nobres e ilustres da cidade. Maria, de seu nome, prima pela sua grandiosa maturidade, evidenciando um doce e feminino toque que desnuda a sua idade ainda precoce.
Mãe de Maria morreu tinha ela apenas dois anos de idade. Sempre num meio rodeado de criadas e de motoristas, Maria foi aprendendo a viver segundo regras e rotinas que lhe iam sendo impostas.

O pai da menina, eloquente diplomata, sonha uma carreira invejável para a filha, a quem sempre satisfez todas as necessidades económicas e materiais. Carinho e afecto não é linguagem que conste no seu dicionário, aliás, Maria está muito longe de se sentir amada.
Cabelos negros e longos esvoaçam ao sabor da brisa quando passa, a sua silhueta definida pelas curvas bem acentuadas do seu corpo e as excelentes combinações de vestuário modelam-na numa jovem elegante e atraente.
Maria vive quase sem ambição, dado que não é carecida de luxos ou caprichos. Os seus pequenos sonhos são considerados impossíveis. Apaixonada pela natureza, deseja em segredo ser bióloga, algo que nem ousa pronunciar perante a postura inquebrável de seu pai, que insiste numa carreira política.
Apesar de tudo, é uma rapariga sonhadora que idealiza um príncipe encantado montado num cavalo branco que um dia chegará para a vir buscar e para a libertar da sua vidinha de prisioneira. É assim que passa horas e horas a fio num pequeno sótão de arrumações que constitui um local mais discreto à criadagem.
Sente-se bem ali, talvez por ser a única divisão da casa que menos se parece com um museu, em que tudo tem que estar no sítio certo à hora certa.
Maria tinha um pequeno sapo, Greeny. Era com ele que passava grande parte do seu tempo livre no resgatado sótão. Era ele o bom ouvinte dos seus desabafos, problemas e das histórias dos seus sonhos.
Um dia, contagiada pela magia dos sonhos e da fantasia, achou por bem, uma vez na vida, tentar seguir o rumo do seu sentir e deixar-se envolver pela irrealidade dos devaneios.

Olhou Greeny nos olhos, sentiu-o a aproximar e suavemente o colocou na palma da sua mão. Pensou: “Como é que um animal tão pequeno pode significar mais para mim do que a minha família ou até do que as minhas regalias?”. Foi então que se chegou mais de perto, descalçou as luvas para o sentir na plenitude. Fechou os olhos e só o sentia na sua mão, estava rodeada por uma sensação de uma tranquilidade suprema. Aproximou-se ainda mais e teve a leve impressão de ver em Greeny um sorriso. A magia do momento transportou os seus pequenos e doces lábios para a boca do seu sapinho especial. Deixou-se levar e num sopro só sentiu-se envolvida por um abraço reconfortante. Continuou de olhos fechados… Teria chegado o príncipe? Será que era desta que conseguiria fugir para outro mundo num cavalo branco?



Uma Estória (3)

A história n.º 3 é a que eu (Fá menor) escrevi, e já tinha sido atempadamente publicada neste mesmo blogue sob o título: 
Saber Esperar.

29/07/2025

Sem fato de banho

Aviso:
Este texto é uma brincadeira e vem na sequência de Isotta Barbarino, do António.

O senhor Barbarino sempre fora um homem muito senhor de si. Aliás, essa fora a característica que despertara o interesse a Isotta e que a levara a conquistá-lo. Mas, o que é certo, é que sempre se sentira inibida junto dele.
Passados quase trinta anos de casamento, e a inibição, em vez de diminuir, parecia aumentar. Tanto que, durante toda essa longa vida em comum, nunca as suas nudezas foram devassadas um pelo outro, nem sequer, nunca nenhum dos dois se atrevera a acender a luz durante os melhores momentos de intimidade conjugal, apesar de, em tudo o resto nada se ocultarem.
Ora, ao perder o fato de banho no imenso oceano, Isotta encontrara o momento oportuno de lhe fazer perder a pose. Se nunca antes, nem na penumbra, fora capaz de estar nua frente a frente com ele, achava agora até uma certa graça de o ter de fazer, à luz do dia, com outras pessoas por perto.
Mas ele mostrou-se impávido e sereno, e ela resignou-se à sua sorte, deixando transformar o seu mais belo sorriso num riso amarelo.

Só que o senhor Barbarino não tinha ficado assim tão indiferente e estudava uma maneira de a fazer pagar por aquele acto tresloucado.
O facto de a sua amantíssima esposa se apresentar sem pudor diante de toda uma plateia de desconhecidos, nunca o tendo ousado só para ele, fez com que até ao pegar no jornal o fizesse com este de pernas para o ar, tal era o estado em que ficara a sua cabeça!
– Veste-te… que vamos para casa! – Acabou por lhe dizer, não conseguindo esconder algum nervosismo. “Em casa vais pagá-las todas”, pensou.
E se bem o pensou, melhor o fez. Chegados a casa, foi a vez dele deixar cair a pose, a compostura... a roupa, e se lhe mostrar em toda a sua nudez, sem lhe dar, a ela, tempo de se prevenir.
Aí, ela não aguentou… e desmaiou horrorizada… era mulher!

28/07/2025

Abre o coração ao mundo

Se tens o coração
de ti tão encharcado
retendo dentro repetidamente o olhar,
sem te dares oportunidade
a que outras belezas
se ensejem a manifestar,
qualquer dia negarás
que possam existir
peixinhos dourados
e crianças a sorrir.
Então o teu mundo
será apenas tu,
o teu coração
e um pretenso culto
que não podia florir.

25/07/2025

Tal e qual eu


 

«Sim, eu isolo-me. Não porque não goste de pessoas, mas porque o mundo, com o seu ritmo frenético, esgota-me: o barulho incessante, as multidões apressadas, as conversas que, muitas vezes, não passam da superfície.

Isolo-me porque prefiro estar só do que rodeado de pessoas com quem não partilho a mesma vibração, o mesmo compasso da alma. Não é que os outros sejam menos interessantes ou dignos, nada disso. Somos apenas diferentes. As nossas sensibilidades movem-se em tempos distintos, e está tudo bem assim.

Com o passar dos anos, tornei-me mais consciente de quem sou, do meu caminho e do que não estou disposto[a] a carregar. Compreendi que a solidão, para mim, não é um vazio, mas uma presença — um encontro íntimo comigo mesmo, onde o silêncio é reconfortante como um abraço.

O mundo tem muito para oferecer, sim, mas também traz consigo ruídos que podem afastar-nos da nossa essência. A inveja, a competição desenfreada, as distrações constantes... É fácil perder o rumo. Por isso, escolho a minha bolha de paz, seja em casa, num canto tranquilo, ou no meio da natureza. É nesses espaços que reencontro a minha serenidade, onde o melhor de mim floresce no silêncio que escolho.

Não sou anti-social. Sou alguém que aprendeu a respeitar a sua sensibilidade e a necessidade de equilíbrio. Ouço, acolho, ajudo sempre que posso e com profundidade. Mas, depois, preciso de regressar ao meu refúgio interno, ao lugar onde me restauro.

E, se dedico o meu tempo a alguém, saiba que não é por solidão ou por necessidade de preencher vazios. É porque escolhi, de forma consciente e verdadeira, estar ali.»  
(Éden Cara)